Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação.
O trecho é a abertura do livro “A sociedade do espetáculo e Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord (Editora Contraponto), e me veio à cabeça quando assistir “A Rainha”, obra de um dos meus cineastas favoritos, o inglês Stephen Frears. Disputando o Oscar do próximo domingo, 25, com seis indicações, incluindo melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro original e melhor atriz para a impressionante Helen Mirren, o filme opõe o velho e o novo nas figuras da rainha Elizabeth II e da princesa Diana.
Frears fez um filme inspirado em fatos reais – a semana que separa a morte da princesa do seu funeral. Era verão na Inglaterra e a família real havia se mudado para sua propriedade de férias, na Escócia. A distância geográfica e a disposição de preservar a realeza dos holofotes da imprensa, além da profunda antipatia que nutria pela vida mundana de Diana fazem com que a rainha decida ignorar o apelo emocional e popular sobre a morte da princesa e tratá-la como “ex-integrante da família real”.
Enquanto isso, o recém-empossado primeiro-ministro Tony Blair vai se rendendo ao marketing político, às manchetes de jornais, às exigências da popularidade, ao espetáculo do qual fala Debord. É desse embate que se alimenta a trama de Frears, aparentemente a favor de Blair e de Diana, mas aos poucos sutilmente crítico da armadilha novo=bom e velho=ruim.
Aos poucos, como já tinha apontado Ricardo Calil no Olha só, o espectador vai sendo sutilmente levado a rever as suas posições aparentemente fáceis – se o filme começasse e terminasse com os protagonistas fixos nos seus papéis de mocinho e bandido não teria a menor graça. A delicadeza da direção de Frears está em mexer na rainha e, como num jogo de xadrez, encurralar o espectador numa espécie de xeque-mate.
Enquanto isso, põe em questão todo o circo do qual se alimentam as celebridades, as manchetes de jornal das quais se vangloriam os políticos. Mas deixa o espectador sem saída na medida em que não permite a nostalgia fácil de desejar andar o relógio para trás e voltar para a época em que a sociedade do espetáculo ainda não nos dominava. Nem por isso eram tempos mais “autênticos”.
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