O que o crítico da revista “The new yorker” e o adolescente do interior dos Estados Unidos têm em comum? Ambos se renderam à comédia “Borat”, que, em um par de semanas, se tornou um enorme fenômeno cultural no país, um dos raros filmes a conjugar sucesso de público e crítica neste ano.
No site RottenTomatoes.com, que reúne e contabiliza as críticas de cada lançamento, “Borat” recebeu 92% de textos positivos. Se forem considerados apenas as publicações mais importantes, como a “New Yorker”, o número sobe para 100%.
No “New York Times”, a crítica Manohla Dargis escreveu: “O brilhantismo de Borat é que sua comédia é tão impiedosa quanto sua sátira social - e também tão perspicaz quanto”. Em sua capa, a revista “Entertainment Weekly” pergunta: “Será que esse homem fez o filme mais engraçado da história ou o mais ofensivo?”
A recepção do público não foi menos entusiástica. A princípio, a Fox, distribuidora do filme, decidiu fazer um lançamento médio para os padrões americanos, em apenas 837 salas - com medo de que a comédia não fosse bem aceita pelo público do interior dos EUA, onde o personagem Borat era pouco conhecido.
Em seu primeiro final de semana, o filme bateu recorde de bilheteria para um lançamento desse porte. No seguinte, foi expandido para 2566 salas e voltou a liderar a arrecadação. A (quase) unanimidade de público e crítica é um mistério - já que se trata de uma das comédias mais agressivas da história, um primor de incorreção política.
Mas, afinal, quem é Borat? Para responder, é preciso conhecer antes Sacha Baron Cohen, comediante inglês, judeu, formado em Cambrigde. Na Grã-Bretanha, Cohen ficou famoso por seu programa de TV “Da Ali G Show”, que tinha como personagem-título um rapper branco que tentava adotar as atitudes dos negros e fazia entrevistas irônicas com personalidades britânicas. Imagine um “Pânico na TV” mais agressivo e inteligente. Assim era o programa.
Borat Sadgiyev foi a segunda grande criação de Cohen. A partir do encontro com um folclórico médico turco, o comediante criou a figura de um repórter de TV do Cazaquistão anti-semita, machista e hiper-sexualizado. Na Wikipedia, a pequena biografia de Borat feita por Cohen dá uma idéia do tipo de humor do personagem:
“Ele é o filho de Asimbala Sagdiyev e Boltok, o Estuprador, que também é seu avô por parte de mãe. Ele é também o ex-marido de Oksana Sadiyev, que era filha de Mariam Tuyakbay e Boltok, o Estuprador. Sua relação com a mãe parecer ser desagradável, e Borat já comentou que ‘ela preferia ter sido estuprada por outro homem’. Borat tem uma irmã chamada Natalya, considerada a quarta melhor prostituta do Cazaquistão, com quem ele fornica com freqüência, e um irmão mais novo chamado Bilo, que é retardado mental e precisa ser trancado em uma gaiola de metal.”
Outro exemplo: nesse vídeo, ele diz que o Cazaquistão evoluiu muito e que agora as mulheres podem viajar dentro dos ônibus, que os homossexuais já não precisam usar chapéus azuis e que a idade mínima para o sexo não-consentido subiu para oito anos.
No filme “Borat” (veja o trailer aqui), que eu assisti ontem, o intrépido repórter viaja para os Estados Unidos para fazer uma reportagem sobre o país. Ao chegar lá, fica obcecado em conhecer e se casar com a pin-up Pamela Anderson.
Mais importante que a história em si é o polêmico método de Cohen. Nas entrevistas que dá sobre o filme, Cohen sempre aparece caracterizado como Borat e responde as perguntas em seu estilo ultrajante e seu inglês enrolado - fazendo os apresentadores gargalhar no ar em várias ocasiões.
Nas filmagens, ele se apresenta como Borat aos entrevistados (que em geral não o conheciam nos EUA), convence-os a assinar autorizações para uso de imagens e faz perguntas e comentários constrangedores. A técnica rende momentos hilários e eticamente questionáveis. Segundo o Yahoo, dois adolescentes estão processando a Fox, uma produtora de TV foi demitida depois de marcar uma entrevista com Borat, imaginando se tratar de um verdadeiro repórter cazaque, e algumas feministas entrevistadas ficaram furibundas.
Além disso, o governo do Cazaquistão já protestou diversas vezes contra o personagem. Algum tempo atrás, houve até um boato de que o presidente do país asiático iria discutir o assunto em um encontro com George W. Bush - o que foi desmentido mais tarde.
Mas, para cada pessoa incomodada, há milhares de novos fãs de Cohen. Para a média da crítica americana, o comediante pode até fazer um humor ofensivo, mas ele consegue atingir seus alvos: os politicamente corretos, os estrangeiros de costumes retrógrados e também os conservadores americanos. Cohen entendeu que precisa fazer uma comédia extremada para denunciar os extremos da sociedade.