Leio. Releio. Volto a ler. Viro páginas. Avanço linhas.
Palavras minhas eu assino, dos outros eu transcrevo, dum passado que não teve futuro, dum presente que nunca exi stiu.
Frases que me fazem sorrir, outras que me inundam o olhar.
Histórias que fazem a minha história, remotas ou recentes, e que por muitas letras que destrua ficarão sempre na memória.

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Desejo a você total liberdade para que rasgue páginas neste espaço. Rasgar, romper, transformar algo em outro novo, mesmo que a si mesmo.
A vida é uma sucessão de rasgos, remendos, feituras e escolhas.
Esteja LIVRE!



segunda-feira, 5 de março de 2007

Subúrbio X Pecados Íntimos

“Pecados íntimos” esteve praticamente à margem da premiação do Oscar. Foram três indicações e nenhuma vitória. Concorriam Kate Winslet como melhor atriz, Jackie Earle Haley como melhor ator coadjuvante, Todd Field e Tom Perrotta por melhor roteiro adaptado. Mas faltava grandiloqüência ao filme para que ele levasse alguma estatueta. No entanto, é dessa aparente simplicidade que “Pecados íntimos” - cujo título original, “Little Children”, reflete infinitamente melhor o que se passa na tela - que o filme arranca suas maiores qualidades.

Há um clima de tédio na vida dos protagonistas, moradores de um subúrbio conservador e preconceituoso como sabem ser todos os subúrbios do mundo. Enquanto os dois atores tentam expressar ao telespectador como pode ser chata e monótona aquela vida, o filme acompanha o ritmo e provoca em quem está na poltrona a mesma sensação de enfado que os atores devem estar experimentando na tela. Conforme o clima entre os dois esquenta, as cores mudam, a luz se amplia e avança, e o tempo passa rápido, promovendo em quem vê a as mesmas sensações do casal apaixonado.

Muitos dos críticos avaliaram que o filme é sobre a hipocrisia dos norte-americanos moralistas, chocados com o pedófilo da vizinha, mas eles mesmos cheios de telhado de vidro. Já Ricardo Calil pega o filme pela característica interessante da crítica ao modelo de vida de subúrbio, que tem inspirado uma série de produções para refletir sobre a mediocridade do confinamento supostamente seguro.

Na minha opinião, “Pecados íntimos” trata principalmente sobre o que é – ou deveria ser – a vida de adulto. São dois casais – em cada um deles, há um cônjuge que fica em casa cuidando do filho e o outro vai trabalhar, trocando todos os dias o pacato subúrbio pela cidade grande. Os dois que ficam vivem num mundo infantil, cercado de crianças no parque ou na piscina pública que freqüentam todas as tardes.

A crise que enfrentam no casamento está localizada exatamente nessa distância – a parte do casal que trabalha, ganha a vida e paga as contas são frios e insensíveis, enquanto os que cuidam das crianças mantém acesos seus sonhos, expectativas e, sobretudo, guardam a sensibilidade à flor da pele.

Nesse contexto, o pedófilo simboliza essa inadequação com a vida adulta levada ao extremo – vive na casa da mãe, cercado de miniaturas de crianças e de relógios, símbolos da infância e da passagem do tempo. Não por acaso eles os destrói com violência e fúria numa cena belíssima.

A pedofilia aparece como a manifestação patológica de alguém que não conseguiu crescer – nem emocionalmente, porque o personagem ainda depende da mãe, nem sexualmente, porque seus desejos se voltam para a masturbação fixada em imagens infantis.

“Pecados íntimos” nos leva a pensar nesta suposta oposição entre vida adulta –racional, careta e comprometida com o pagamento das contas – e a infância –emotiva, livre e descompromissada como um agradável passeio sob temporal depois de uma tarde na piscina. No final (não vou contar, claro), o filme me transmitiu a incômoda sensação de que brincar, criar, sentir, amar, tudo isso pode ser muito, muito perigoso. Por isso, todos nós vamos cedendo às obrigações dos adultos, seja por medo ou necessidade de sobrevivência.

Na sua coluna da Folha de S. Paulo (fechado para assinantes), Contargo Calligaris faz uma leitura de “Pecados Íntimos” como um filme que fala de desejo - de fato, a cena na qual as mulheres discutem o livro “Madame Bovary” é exemplar do que significa comprometer-se com o desejo acima e antes de mais nada.

Mas os protagonistas de “Pecados Íntimos” fazem da resistência ao rolo-compressor das obrigações da vida adulta o único vislumbre para escapar da mediocridade. Mas por que deixar escapar a vida entre os dedos? Se cada espectador chegar ao fim do filme tendo feito essa pergunta, “Pecados Íntimos” terá valido a pena.

Um comentário:

gabriela f disse...

que resenha linda, raquel! vou voltar aqui mais vezes. ainda nao vi o filme, mas agora fiquei com vontade de ver!