Leio. Releio. Volto a ler. Viro páginas. Avanço linhas.
Palavras minhas eu assino, dos outros eu transcrevo, dum passado que não teve futuro, dum presente que nunca exi stiu.
Frases que me fazem sorrir, outras que me inundam o olhar.
Histórias que fazem a minha história, remotas ou recentes, e que por muitas letras que destrua ficarão sempre na memória.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Desejo a você total liberdade para que rasgue páginas neste espaço. Rasgar, romper, transformar algo em outro novo, mesmo que a si mesmo.
A vida é uma sucessão de rasgos, remendos, feituras e escolhas.
Esteja LIVRE!



terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Quero ser Charlie Kaufman

Como muitos já sabem, Charlie Kaufman - o autor de “Quero ser John Malkovich” (1999), “Adaptação” (2002) - que revi em dvd este domingo - e “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004) - é hoje o roteirista mais influente e badalado de Hollywood. Mas o que talvez nem todos tenham percebido é que ele vem sendo imitado de maneira tão descarada que já originou um subgênero cinematográfico: o das comédias “kaufmanescas”.

O mais novo exemplo desse fenômeno chama-se “Mais estranho que a ficção” e estreiou dia 12/01 no Brasil. Roteirizado por Zach Helm, o filme conta a história de Harold Crick (Will Ferrell), um auditor da Receita Federal americana que um dia descobre ser o personagem de um livro escrito por Kay Eiffel (Emma Thompson) e que está prestes a ser morto pela autora. Enquanto descobre o amor com uma dona de padaria (Maggie Gyllenhaal), ele tenta encontrar a autora para transformar seu destino de tragédia em comédia. Em duas palavras: puro Kaufman.

Não é muito fácil encontrar uma definição para os filmes escritos por ele. São comédias metafísicas/surreais ou existenciais/fantásticas. Mas eles costumam seguir o mesmo script: um homem comum se vê metido de repente em uma situação absurda; primeiro, ele entra em desespero, depois encontra uma possibilidade de redenção.

Em “John Malkovich”, John Cusack interpreta um sujeito que encontra no sétimo e meio andar de seu trabalho um portal para a cabeça do ator americano que dá título ao filme. Em “Brilho eterno”, Jim Carrey descobre que sua ex-namorada decidiu participar de um experimento científico para apagá-lo de sua memória e decide fazer o mesmo.

Os roteiros de Kaufman têm evidente influência dos romances do escritor tcheco Franz Kafka, como “O processo” - em que um homem não consegue descobrir, em meio a um labirinto burocrático, a razão de estar sendo processado - ou “A metamorfose”, aquele que começa com a célebre frase: “Certa manhã, ao acordar de sonhos inquietos, Gregor Samsa viu-se transformado num gigantesco inseto”.

Em um interessante artigo para o “London Times”, o jornalista Kevin Maher defende a tese de que o impacto da obra Kaufman não se limita aos filmes independentes, mas também aos blockbusters hollywoodianos. Ele cita como exemplos “Click”, em que Adam Sandler adquire um controle remoto que avança, pausa ou retrocede o tempo de sua vida, e “Déjà vu”, em que o policial Denzel Washington usa um computador que reconstitui o passado para evitar um crime já cometido.

Já nos cinemas no Brasil, “Déjà vu” é uma má imitação de Kaufman, um bizarro encontro do universo do escritor com a direção cafona de Tony Scott (”Top gun”) e a produção espalhafatosa de Jerry Bruckheimer (”Piratas do Caribe”). Já “Mais estranho que a ficção” é um cover talentoso, que aproveita o ótimo comediante Will Ferrell em um papel de maior envergadura dramática, a exemplo do que foi feito com Jim Carrey em “Brilho eterno”, uma direção elegante de Marc Foster (”Em busca da terra do nunca”) e um roteiro com uma mensagem esperta: o drama pode até render grandes obras de arte, mas é o humor que transforma uma visão de mundo.

Maher aponta outros dois filmes com influência de Kaufman: “I’m not there”, em que sete atores interpretam o Bob Dylan, e “A ciência do sonho”, em que Gael García Bernal tenta controlar seus sonhos para viver neles uma paixão com sua vizinha. Nesse caso, a conexão com a obra do roteirista é mais do que natural, já que o diretor francês Michel Gondry é o mesmo de “Brilho eterno”.

Mas o grande filme “kaufmanesco” de 2007 será escrito e dirigido pelo próprio Kaufman. “Synecdoche, New York” será o primeiro longa como cineasta. A história vinha sendo guardada a sete chaves pelo reservado roteirista, mas o jornalista Jay A. Fernandez conseguiu uma cópia do texto e escreveu a respeito em sua coluna Scriptland, no jornal “Los Angeles Times”.

Segundo ele, o filme será sobre um diretor de teatro que pensa estar morrendo e muda suas interações com o mundo, sua arte e as mulheres de sua vida. “É sobre morte e sexo e a bagunça manchada de vômito, merda, urina e sangue que a vida se torna psicologicamente, emocionalmente e espiritualmente”, escreveu Fernandez.

“Se o filme que for realizado lembrar de alguma forma o que está escrito, será um tipo de milagre. ‘Synedchoque’ fará ‘Adaptação’ e ‘Brilho eterno’ parecerem filmes educativos. Ninguém escreveu um roteiro como esse. É questionável se o cinema é capaz de sustentar o peso temático e narrativo de uma história tão ambiciosa. ”

Alguns críticos que respeito muito acham Kaufman meio truqueiro. Sou do time que acredita haver substância por trás da idiossincrasia. Mas, goste-se ou não dele, é difícil negar que Kaufman se tornou um nome fundamental do cinema contemporâneo. Ninguém vira adjetivo à toa.

Nenhum comentário: