Leio. Releio. Volto a ler. Viro páginas. Avanço linhas.
Palavras minhas eu assino, dos outros eu transcrevo, dum passado que não teve futuro, dum presente que nunca exi stiu.
Frases que me fazem sorrir, outras que me inundam o olhar.
Histórias que fazem a minha história, remotas ou recentes, e que por muitas letras que destrua ficarão sempre na memória.

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Desejo a você total liberdade para que rasgue páginas neste espaço. Rasgar, romper, transformar algo em outro novo, mesmo que a si mesmo.
A vida é uma sucessão de rasgos, remendos, feituras e escolhas.
Esteja LIVRE!



sexta-feira, 8 de junho de 2007

[re]cado de mim para você



O medo de perder é o maior obstáculo para o nosso crescimento. Sobretudo o medo de perder alguém que nós dizemos amar. Essa emoção é a principal responsável pelo nosso sofrimento vital. Pois temos medo de sermos rejeitados pela pessoa que dizemos amar. O medo de perder aparece sob várias formas.

Medo de sermos criticados, rejeitados, de não sermos importantes, ilustres, amados e medo da solidão. Isso tudo se resume numa só palavra: Ciúme.

Ciúme é o medo de não possuir alguém, de não ser dono de alguém. Na relação ciumenta colocamos nós e o outro como objeto, como se objeto e pessoa fossem a mesma coisa. No ciúme temos medo de algum dia sermos rejeitados, dispensáveis à outra pessoa. Esta emoção é sofrimento de apego, torna a relação confusa, sofrida. Isto já vem de nossa cultura quando dizem que o ciúme é a maior prova de amor. O que é justamente o oposto do amor. Na relação amorosa existe identidade: “eu sou independente de você”. Perde-se a identidade quando se diz: “eu sem você não valho nada, pra mim você é tudo”. O amor é solto, livre, vem do verdadeiro querer. Sem prisão de sentimentos, bem o contrário do ciúme, que amarra, prende, condiciona. A pessoa já não é ela mesma, mas ela é o que o outro quer que ela seja. Pra que também ela seja o que o outro quer. É um pacto de destruição mútua. Quando um usa o outro na garantia de não ficar sozinho, de não ser abandonada, passamos a vida inteira com medo de sermos hoje totalmente dispensáveis.

O homem é por definição dispensável, transitório e efêmero, aquilo que passa, isto é bastante real em todas as relações. Hoje somos substituíveis, o mundo sempre existiu sem nós, está existindo conosco e continuará a existir sem nós. Somos necessários aqui e agora. Mas seremos dispensáveis além. O medo da morte é o ciúme da vida, é a vontade falsa irreal de sermos permanentes, eternos e imutáveis, isso nos leva a crer que as coisas só têm valor, só valem a pena se forem eternas, só se tivermos garantia que sempre será assim como é. Mas como tudo é transitório e mutável pode se transformar. O medo de perder nos leva a um estado contínuo de sofrimento.

As conseqüências do ciúme são bem claras: se eu tenho medo de não ser amado, de ser abandonado, de ser dispensável a alguém, em vez de eu fazer tudo cada vez melhor, vou gastar toda minha energia, minha vida, para provar que já sou melhor, que já sou o primeiro, o que é mentira e nos conduz ao delírio. A falsidade de nossos atos, nossas iniciativas, nossas considerações, é tudo para mostrar que somos bons, fortes, perfeitos, capazes. Tudo é o medo de perder. É a vontade de ganhar. O medo de perder é assim, ganhando ninguém vai nos tirar. Gastamos nossas energias para defender o que já possuímos, e para conservar o que já ganhamos. Só temos que perder.

Com a vontade de ganhar por outro lado estamos sempre ativos procurando ganhar cada vez mais, ao invés de nos preocuparmos com possíveis perdas. O mais valioso para nós é a nossa vida, e esta nós já vamos perder, o resto é secundário. O medo de perder é justificativo, reativo, a pessoa fica sempre com o pé atrás e o outro no frente, sempre se prevenindo para não perder. A pessoa com vontade de ganhar é sempre ativa, sem medo de arriscar, sem medo de perder, sem a vivência antecipada do futuro, vive a beleza do momento, sabe que em tudo existe riscos e oportunidades. No medo da perda só vê os riscos. Na vontade de ganhar não significa ganhar de alguém, mas de si mesmo. A dar um passo em frente, estar sempre disposto a crescer um pouco mais, ninguém chega a seu limite máximo. Idade adulta não é o máximo de nossa vida, de nossa potência. Não existe pessoa madura, mas em amadurecimento. Quando paramos de crescer vem o sofrimento, e cada um sabe onde paralisou. Onde bloqueou a energia.

Até hoje não vimos um relacionamento deteriorar sem a presença marcante do ciúme, querendo ser o controlador dos sentimentos e ações da pessoa que se diz amar. Um profundo desamor a si mesmo e ao outro também. E a dor da incerteza é a raiva de não ter a segurança absoluta no relacionamento, a insegurança frente ao futuro. A loucura está aí, passamos a vida inteira tentando conseguir segurança. Segurança não existe. Ser seguro não significa acabar com a insegurança, mas sim aceitá-la como inerente à natureza humana. Nós não curtimos o hoje, que é importante, nem nos relacionamentos com os amigos, nem com os filhos. Não temos tempo, estamos cuidando do seu futuro, da nossa segurança.

O ciúme é a incapacidade de vivermos hoje a gratuidade da vida. Hoje é o primeiro dia do resto de nossa vida. Viver é deixar cada dia segundo seu próprio cuidado. O medo daquilo que pode acontecer tira a alegria de estar aqui e agora. O medo da morte tira a vontade de viver. Quando temos medo de perder alguém, é porque imaginamos que as pessoas são nossas. E não podemos perder o que não temos. Ninguém é de ninguém. Cada pessoa é única e exclusivamente dela mesma. Podemos perder tudo, bolsa, carteira, casaco, qualquer coisa, jamais uma pessoa.

Medo de perder é a obsessão do primeiro lugar, é querer ser sempre o primeiro em todos os lugares, em casa, no emprego, com os amigos. O primeiro lugar é amarelante, deteriorante, pois quando alguém chega ao cume da montanha só lhe resta descer. O segundo lugar é verdejante, esperançoso ainda tem aonde ir, para onde crescer. A postura do segundo lugar nos leva ao crescimento contínuo por que você se sente em segundo lugar mesmo que estivesse ocupando socialmente o primeiro lugar, não em relação ao outro mas a você mesmo, ou seja ainda teremos por onde crescer e melhorar.

Você sabe porque o mar é tão grande, tão imenso, tão poderoso? É porque teve a humildade de se colocar apenas a alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo, sabendo receber tornou-se grande. Se quisesse ser o primeiro, alguns centímetros acima de todos os rios, não seria o mar, seria uma ilha e toda sua água iria para os outros, e ele estaria isolado. É impossível vivermos satisfatoriamente se não aceitarmos a queda, a perda, a morte. Precisamos aprender a perder, a cair, a errar e a morrer. Em outras palavras, se temos medo de cair, andar seria muito doloroso. Se temos medo da morte a vida é muito ruim. Se temos medo da perda, o ganho nos enche de preocupações. Esta é a figura do fracassado, dentro do sucesso. Pessoas quanto mais ganham, quanto mais melhoram na vida mais sofrem. Para a pessoa que tem medo de ficar pobre, quanto mais dinheiro tem, mais preocupada fica. Quanto mais sobe na escala social, mais desgraçada é a sua vida. Em compensação se você aprende a cair, a errar, a perder ninguém o controla mais. Pois o máximo que pode acontecer a você é cair, errar, perder, e isso você já sabe.

Bem aventurado aquele que já consegue receber com a mesma naturalidade, o ganho, a perda, o acerto, o erro, o triunfo, a queda, a vida e a morte.

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